sábado, julho 31, 2010
DE ONDE VEM essa ressonância a meu lado? De onde esse abandono que me olha tão fundo na distância? De onde a cor plúmbea pairando de leveza no quarto? De onde os meus pés, os meus sonhos primevos, os meus livros de adolescência incauta, os meus trilhos na terra de revolta ardente, os meus planos crescendo numa época sem fim?…
sexta-feira, julho 30, 2010
VOU TÃO SÓ, tão sem ninguém, nos passos que seguem à minha frente. Nem sei que dizer da cor que passa, que pensar da nuvem disforme estendida, que antever no tempo devorado. À medida que avanço, procuro discernir como cheguei a esta ponta de mar, onde não há sal nem espuma que as palavras descrevam.
quinta-feira, julho 29, 2010
MAIOR SOLIDÃO é a pessoa que mais amamos sentir-se magoada connosco e dizê-lo e demonstrá-lo e não deixar passar em claro o que fizemos e desatar num choro inconsolável diante dos nossos olhos e pôr-se a amontoar roupas para dentro da mala, pertences, bocados de si, memórias, raivas, sonhos desfeitos. Nem que seja por breves minutos.
quarta-feira, julho 28, 2010
COLAPSAMOS, sem morrermos, para nos podemos levantar e renascer, com a vantagem de acumularmos anos vividos e decifrarmos o significado de caminhos traiçoeiros, palavras resvaladiças, intenções obscuras. Sabermos amar acima da luz em espaços desprovidos de limites. Ousarmos erguer o novo sem mácula.
terça-feira, julho 27, 2010
A BICICLETA, os patins, a prancha de surf, a máscara de mergulho, o saco-cama, o telemóvel, os ténis, a mochila, o computador, os jogos eletrónicos, os livros, os cadernos escolares, os desenhos, o estojo dos lápis, a viola, o gato, os brinquedos guardados na garagem da casa com o anúncio de venda afixado na porta. EMR estava em todo o lado.
segunda-feira, julho 26, 2010
TODOS OS MEUS MOMENTOS são feitos de saudades de EMR. Quando me desloco de carro e paro numa estação de combustível, quando passo junto à porta fechada de uma igreja, quando me sento à mesa de um restaurante a olhar para a ementa, quando estou num aeroporto à espera de entrar no avião, quando passeio à beira-mar de mão dada com LMP…
domingo, julho 25, 2010
ENTRAR NA CASA VAZIA onde se vive e sentir a ausência dos móveis, o chão com falta de tapetes, as paredes despidas de quadros, os roupeiros entregues aos cabides solitários balouçando, as lâmpadas nuas dependuradas nos tetos, as janelas sem cortinas, a campainha a que ninguém toca, a vibração inteira do ar. Os murmúrios.
sábado, julho 24, 2010
FALA E FALA com gestos de mãos e braços diante do rosto, olhando em volta, mesmo que o silêncio lhe devore a língua. Atravessa mares e correntes de voz sem cortes nem oscilações. São dedos de harpa erguendo reflexos de néones. Sopros flutuantes, cordas vulneráveis que a noite alonga. Vibrações. Pressentimentos vagos. Ameaças.
sexta-feira, julho 23, 2010
quinta-feira, julho 22, 2010
COMO SE PODE escrever sem investigar, sem cruzar dados, sem ponderar, sem estudar? A escrita que decorre de um ato espontâneo e solitário está condenada ao solipsismo, ao delírio, à inutilidade. Criar, só por si, não basta. Para acrescentar algo ao que está feito, é indispensável aprofundar matérias, com objetivo e método.
quarta-feira, julho 21, 2010
OS POMBOS NÃO SABEM de oráculos nem querem ouvir falar dos medos dos Homens. São admiradores de galáxias quando as lágrimas secam e nada resta para dizer nos fins de tarde. Deixam marcas na paisagem e partem em busca de causas para o seu alimento. Não explicam, não aprofundam, não discutem. Voam apenas.
terça-feira, julho 20, 2010
segunda-feira, julho 19, 2010
DE REPENTE A TERRA ABRE-SE e a claridade irrompe. Corre um pássaro verde na brisa que estremece. Pergunto onde está Deus e a resposta que obtenho é o silêncio redondo nos intervalos das pedras. Não há tempo nem mar desde que nasci. Só este rumor infindo, este pensar sem voz atravessando a distância.
domingo, julho 18, 2010
NA JUVENTUDE, quando escrevemos, preocupamo-nos em controlar as palavras, em domesticá-las, em tratá-las de acordo com as normas, com o objetivo de alcançar reconhecimento e conquistar espaço de afirmação. Na maturidade, a escrita conduz-nos à completa despreocupação com as palavras e a uma irremediável entrega à sua liberdade.
sábado, julho 17, 2010
VINHA PELA RUA QUENTE da manhã quando aquilo me desabou em cima. Olhei em volta e vi o sol queimar as asas da terra, os cães ganindo nas ruelas podres, as casas gemendo. Agarrei-me ao que havia para sobreviver. Mais tarde, LMP telefonou e as suas lágrimas rolavam. O vazio enchia toda a parte. As horas transbordavam de cinza.
sexta-feira, julho 16, 2010
quinta-feira, julho 15, 2010
EM JOVEM EU PENSAVA que não poderia ser escritor porque jamais saberia os nomes de tantas árvores, arbustos e flores com que era costume encher páginas e páginas de romances. Depois, também não me sentia capaz de descrever em pormenor indumentárias de personagens, expressões fisionómicas, decorações de espaços, ambientes...
quarta-feira, julho 14, 2010
CHEGA-SE LÁ DEVAGAR, muito devagar, tateando, hesitando, experimentando, ousando, como se nada estivesse a acontecer, embora sabendo-se que tudo treme. As coisas vão ocorrendo conforme evoluímos. Dia após dia, surge uma resposta, uma pesquisa, um indício. Só precisamos de seguir os rumores… de perseguir os sinais.
terça-feira, julho 13, 2010
ENCOSTEI o carro à berma da estrada, liguei os faróis de emergência e pus-me a ouvir a chuva caindo mansamente sobre carroçaria e as coisas em redor, enquanto saboreava a escrita que vinha comigo desde que saíra de casa, colada a cada gesto, a cada músculo, a cada movimento de pálpebras, como se se recusasse a viver sem a minha companhia.
segunda-feira, julho 12, 2010
COMO PODEMOS FALAR DE MORTE se nada existe para além da vida? Morrer é apenas viver em desintegração, em recomposição, em fragmentação, o que não significa que a existência tenha menor intensidade e alcance. Ah, a consciência… quase me esquecia. Mas que interesse tem ela? A que lugares conduz? Que acrescenta à fúria do cosmos?
domingo, julho 11, 2010
AS RUGAS são a prova dos caminhos que percorremos, a marca do riso e da dor, o reflexo dos sonhos que vivemos. Da face lisa à pele envelhecida vai um tempo de encantos, desilusões, expectativas, como naquela noite em que, de corpos exaustos, chegámos a casa e nos metemos entre lençóis lavados, parecendo que o mundo começaria – ou acabaria – dali a instantes.
sábado, julho 10, 2010
QUANDO SINTO desânimo, frustração, tristeza, salto uns dias no calendário e dou-me conta de que uma nova disposição me invade. Desato a tratar de outros assuntos, com pessoas diferentes, muitas vezes até em novos lugares, envergando roupas que antes nunca tinha usado. Como se de repente adquirisse outro corpo, outra identidade, outro espírito. E não volto atrás.
sexta-feira, julho 09, 2010
CHORAR PARA QUÊ se à nossa frente há o nada, o mar revolto, o silêncio das trevas? Chorar para quê se não há salvação no frenesim das coisas? Chorar como rir é dizer um fado, é seguir na ponta dos pés até ao limiar do abismo. Algures nasceu uma criança que estrebucha na manhã clara e isto é tudo o que a vida contém e nos pode dar.
quinta-feira, julho 08, 2010
SÓ QUEM NÃO TEM voz nem ideias pode dizer que tudo já foi descoberto, escrito, pensado. Ao dizê-lo, perde o rasto de fulgores que acompanha a nossa fuga para as expectativas. Perde a curva da estrada infindável. O mundo está sempre inteiro para ser descoberto e ser escrito. Rastos e rastos… expectativas de expectativas…
quarta-feira, julho 07, 2010
AS PALAVRAS BANAIS, quadradas, contêm rudeza, enquanto as palavras livres e sem regras contêm as alegrias todas do mundo. São as palavras livres que definem os sentimentos, que trazem o sol e a chuva, que decidem o curso dos rios, que erguem a bravura das cidades. São elas, palavras sem dono, que estão sempre prontas a rasgar o negrume.
terça-feira, julho 06, 2010
O QUE CONTA não são os outros, mas a forma como os compreendemos. O que podemos fazer é pouco, mas é muito - é infinito - o que podemos compreender. Por isso nos devemos dedicar mais a compreender do que a fazer. Ao compreendermos mais, podemos sempre contribuir para que alguém encete um novo caminho...
segunda-feira, julho 05, 2010
domingo, julho 04, 2010
HÁ QUALQUER BRILHO no seu universo que me sugou. Qualquer brilho que me cegou, que me cativou, para me levar a distinguir melhor e me fazer seguir adiante. Um brilho que veio do passado e me tornou maior, assim me reduzindo, me tornando insignificante. Não posso ambicionar mais, para além destas palavras que o destino me escreveu...
sábado, julho 03, 2010
A CLARIDADE ATRAVESSA OS PÁSSAROS no princípio da névoa. E mais nada se ouve em redor do mundo. Só cada pássaro dizendo o que anseia em palavras redondas de premonição. Podem inventar paisagens, sonhos, amores, que nem assim deixarei de me revelar. A distância caiu-me no colo quando me preparava para a agonia.
sexta-feira, julho 02, 2010
ESTAVA UM CÉU azul, com nuvens ligeiras deslizando na brisa imensa. Mas não tanto azul que trouxesse alegria à paisagem. O cinzento caía sobre o mar como se uma ameaça de tempestade se escondesse atrás do horizonte. Meia dúzia de crianças atravessaram o areal e, sem comentários, entraram nas sombras do tempo.
quinta-feira, julho 01, 2010
TENHO SAUDADES DE DESCER ao subterrâneo das ruas, onde se descortina a razão das vontades. Fazem-me falta os desejos, até os que não vivi, nas cidades com as suas casas gigantescas servindo de abrigo no estertor das horas. Milhões de mãos refletindo ao sol, sem pensar em termos. Só gente vagueando para o fim.
Subscrever:
Comentários (Atom)