segunda-feira, novembro 30, 2009

O amor só morre na morte. O amor é a morte e dá-lhe sentido. O amor leva a morte mais longe. É como nascer. O amor que faz a vida acontecer dentro da morte, que deste modo se torna mais vida. Não há explicações para o amor nem para a morte. As próprias palavras se assemelham nesta língua em que escrevo. Dizer amor como dizer morte.

domingo, novembro 29, 2009

Escrever com os olhos, as mãos, a boca, os passos, a luz inclinada, a voz que murmura, a mesa posta, as ideias debruçadas no rio, o movimento dos sóis, alguém perguntando pela janela sobre a noite e as suas expectativas. Ponderar os ínfimos recantos. Viver com as horas atravessadas na garganta. O azul do princípio e do fim.

sábado, novembro 28, 2009

As pessoas estão presentes enquanto nos recordamos delas, enquanto nos sentimos em ligação com o que delas ficou. Estão presentes no cheiro que nos circunda, no rumor dos passos, no brilho dos olhos, no eco das vozes, nas ideias, nos desejos realizados, nos fracassos, nas palavras ditas, ou por dizer. Há muitas maneiras de não partir.

sexta-feira, novembro 27, 2009

Cantas a dor sem fim nos teus dedos de guitarra, mais o tempo deslizando nas cordas sublimes do fogo. Sentamo-nos e conversamos nas tábuas que a história deixou. O vinho corre sobre as horas da noite, e tanto queijo, e tanta comida, e tanto prato indo e chegando entre a cozinha e a nossa mesa. Que fado este que o rio nos trouxe.

quinta-feira, novembro 26, 2009

Vieste a correr para mim, mas quando te aproximaste é que reparei quanto em ti havia subitamente morrido. Depois, os gatos ficaram devorando as luzes da noite que o rio tinha, enquanto a cidade deslizava nos rumores sobrepostos do tempo. Para que nada doesse na consciência dos interditos.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Penso em EMR quando ao fim de tarde o sol bate nos edifícios de Blagnac e da varanda vejo alguém atravessar o parque de carros, assim agitando o ouro das árvores nas folhas. E, de repente, é como se aqueles passos fossem ter à ilha, onde EMR me espera com os olhos fulgentes, por causa do pequeno rolo de pintura que fiquei de lhe levar…

terça-feira, novembro 24, 2009

Endireitavas o gorro, baixando a cabeça, enquanto me olhavas. Não recordo onde estávamos. Talvez nas Portas do Mar. O vento arrastava os barcos no rasto da espuma. As luzes caíam sobre a cidade. Quase não havia ninguém em redor. A avenida ia desaparecendo no esfumar das horas. E nós, enfim, caminhando na leveza do tédio.

segunda-feira, novembro 23, 2009

As palavras fogem-me, escapam-me, enganam-me. Tento domesticá-las, controlá-las, educá-las, mas não adianta. É como se o texto, qualquer texto, tivesse a arte de me ludibriar a todo o instante, indicando-me direcções nas quais venho a tropeçar de modo definitivo. É essa traição dos termos que consta do registo.

domingo, novembro 22, 2009

Viajavas para longe como a água que não sabe o destino para que é conduzida. E mandavas-me cartas contando o que vias, o que sentias, o que apreciavas, nas tuas deambulações por cidades e países, cujos nomes eu ia registando, com a ideia de não te perder o rasto. Mas, um dia, veio o silêncio. E muitos dias. E muito silêncio.

sábado, novembro 21, 2009

Amanhã, permanecerei junto ao muro e assistirei às vozes que desfiam do outro lado da espera infinda. Amanhecerei com olhos de cal e interrogarei o vento que nos criou. Não saberei quem se segue. Ninguém reclamará os corpos que a relva devorou e sobre a qual construiremos o amor impossível da casa.

sexta-feira, novembro 20, 2009

Entrar em zonas inexploradas do pensamento, abrir fendas nas ideias, superar o que se conhece, atravessar visões, contornar pressentimentos, acender luzes nos terrenos do medo, avançar sobre a firmeza dos abismos, sobreviver à ilógica dos momentos, inventar a chuva que explica quem não somos. Jamais desistir.

quinta-feira, novembro 19, 2009

Se alguém se transformar completamente na sua escrita, se transferir para ela tudo o que faz parte dos seus dias, o amor, o medo, a fome, o sono, a esperança, o futuro, acabará por viver tantos anos quantos durarem as palavras que escreve, porque nada terá de físico que a morte possa levar quando um dia vier bater à sua porta.

quarta-feira, novembro 18, 2009

Vim pela estrada do mar em busca da claridade que havia nos frutos e da febre que cobria a paisagem no dia da nossa fuga. Vim em busca do sal e de explicações acerca dos percursos que havíamos de traçar. Não fiz perguntas. Nem hesitei. Sabia o que me esperava no tempo adiante, onde a chuva clamava em remoinhos sobre a terra ardente.

terça-feira, novembro 17, 2009

EMR enfiara na mão uma marioneta com a qual inventava piruetas através do vidro que abrira quando seguíamos de carro por uma estrada inundada de sol. Depois, a marioneta caiu em algum lado e EMR pôs o telemóvel a musicar e a saltar de faixa em faixa, enquanto me pedia que eu dissesse o nome de cada intérprete que se ia ouvindo…

segunda-feira, novembro 16, 2009

É na escrita que vivo a febre da ideia, a vibração do sentimento, a euforia do desejo. Como se a escrita me conduzisse a tudo o que há de melhor e mais esfusiante. Fora da escrita deparo-me com pobreza e desilusão. Como se nessa zona dos dias me restasse a negação dos outros que em mim habitam.

domingo, novembro 15, 2009

Há dias em que cada um dos meus passos faz acontecer alguma coisa: uma amizade, uma dor, um telefonema, uma promessa. Os acontecimentos sucedem-se a um ritmo estonteante. E mesmo que eu decida parar e sentar-me algures, basta-me olhar nesta ou naquela direcção para que a sucessão de factos prossiga. Não há hipótese de deter a vertigem.

sábado, novembro 14, 2009

Pintar um quadro que mostra uma pessoa ou uma paisagem, mesmo que alteradas ou recriadas, é pouco. Pintar formas abstractas é igualmente pouco. O existente é mais do que os nossos olhos alcançam. É a vivência da conflitualidade indomável que brota do movimento para o estar e para o ser. E vai de pintá-la.

sexta-feira, novembro 13, 2009

Quando vivemos com alguém que não amamos, e insistimos em assim permanecer, quando nos conformamos e desistimos de procurar, há toda uma vida que nos passa ao lado, há todo um mar que não chegaremos a conhecer nem a desbravar. O amor vem das montanhas como uma lua que corre à margem. Uma lua que ouve… e que mata.

quinta-feira, novembro 12, 2009

Não quero ser compreendido, muito menos lido. Não percebo por que haveria alguém de dar atenção ao que escrevo. Não encontro motivos para que o façam. Não procuro que me conheçam, nem à minha vida, e não me envolvo no que aos outros diz respeito. Não tenho nada que possa despertar interesse em quem quer que seja.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Há um momento do dia em que venho para este canto remoer alguma coisa que hei-de transformar em escrita. Nunca sei bem o que vai ser, ou o que vai acontecer. Sento-me, concentro-me, olho para o monitor em branco, faço umas pesquisas de ideias… e a brecha acaba sempre por surgir. É o melhor momento do dia.

terça-feira, novembro 10, 2009

São os palhaços da literatura. Os que passam o tempo em congressos, eventos, conferências, palestras, jantares, colóquios, júris de prémios, sessões de autógrafos. Os que falam a torto e a direito, de si, do que fizeram, do que vão fazer. Os que não prescindem de se mostrar, de opinar, de vergar. De matar, se preciso for.

segunda-feira, novembro 09, 2009

Morremos tantas vezes ao longo da vida. Nascemos e morremos, estudamos e morremos, trabalhamos e morremos, procriamos e morremos, planeamos e morremos, morremos, morremos. E morremos tanto porque amamos muito, porque só amamos, porque amamos sempre.

domingo, novembro 08, 2009

Escrever é não dar contas a ninguém, é seguir um caminho, seja a que custo for, vigiando pelo canto do olho os que tomam rumos diferentes. Escrever é perguntar sempre, mesmo conhecendo as respostas, é ir mais fundo, mesmo quando nos dizem que o caminho é outro, mesmo quando nos demonstram que estamos a perder tempo…

sábado, novembro 07, 2009

E de repente algo me esmaga como um fósforo do tamanho da chuva. De um lado, EMR pede-me para voltar a aparecer antes de partir para França, do outro LMP quer saber do paradeiro de uns materiais que me deu para guardar há tempos. Oiço e não sei que pensar, não sei quem diz o quê, nem porque motivo.

sexta-feira, novembro 06, 2009

O tango nasceu da noite que deslizava nas margens, cresceu por entre iras refulgentes e distribuiu em redor horas de cegueira. Depois, veio o silêncio e o nada que havia para esclarecer, mas era ainda o seu movimento que nos endoidecia. O tango é o que há-de ficar depois de todos morrermos. Qual fogo eterno.

quinta-feira, novembro 05, 2009

O futuro está escrito nas sílabas do éter, com páginas desabridas correndo pela lembrança dos anos que me viram partir em lágrimas brilhantes na manhã pesada. Sento-me à mesa da primeira esplanada que encontro e espero que venha alguém inquirir sobre a razão de cada pensamento que vou enfileirando…

quarta-feira, novembro 04, 2009

Chovia e continuavas a morrer na tua campa, junto aos sons agudos do princípio de Novembro, como quem vive o silêncio das horas inteiras sob a terra fria, quando nada mais há para dizer, nem sequer o eco dos sinos naquela manhã sem nome em que te vi desaparecer por entre tábuas partidas e o som cavo da pedra deslizante.

terça-feira, novembro 03, 2009

Escrevi o nosso tempo de palavras translúcidas e buganvílias na superfície desembaciada do vidro por detrás do qual te inclinavas para ver o pássaro rasando as águas que regressavam da viagem em que a noite te levou nos sinais do vento construído com a matéria que nos explica e que pacientemente me balbuciavas ao ouvido...

segunda-feira, novembro 02, 2009

Quando a tela tombou e foi subitamente atravessada pela madeira aguçada dos pés da cama, eu já não tinha nada para sentir, protestar ou chorar. Limitei-me a olhar para a catástrofe e a dar-me conta de que algo em mim tinha acabado naquele instante preciso. Algo que vinha das chamas da noite e me impedia de ver o que estava para chegar.

domingo, novembro 01, 2009

Parecem ter mais de cinquenta anos e beijam-se à beira-mar, entre abraços e apertos ininterruptos. Rabo farto de um lado, barriga proeminente do outro, ao fim de poucos minutos, descolam e põem-se a andar, olhando em direcções diferentes e mantendo uma separação de mais de um metro de distância. Como se nunca se tivessem visto antes. Há ventania e garças deambulando nas alturas baixas.