terça-feira, junho 30, 2009
Por que me perguntas? Por que me procuras? Por que deslizas na invisibilidade dos meus pensamentos se nada posso acrescentar à tua insegurança? Mesmo distante, marcas os meus desejos pormenorizados, marcas a minha ressonância funda, tentando beber o sentido das células que me sobrevivem. E não te encontro.
segunda-feira, junho 29, 2009
Ao pé de ti, sou uma espécie de som, uma espécie de erva, qualquer coisa como uma nuvem branca deslizando à margem das rotas. Não tenho ilha, nem casulo, nem justificações para o que aconteceu. Só tenho caminho para continuar na companhia dos meus peixes de luz, por entre risos estridentemente matemáticos.
domingo, junho 28, 2009
O mar brota das pedras negras e é lava e é manto de rosas e é palavra afiada na minha consciência. Não vem de parte alguma esse mar que oiço pela noite dentro no alto da montanha onde vivo. Vem de mim, vem do nada de mim, o mar que me conforta bem junto ao paraíso de Deus e dos querubins com quem me entretenho na eternidade das horas.
sábado, junho 27, 2009
A inteligência tem capacidade para atingir o absoluto, imaginando-o, investigando-o, desejando-o, posicionando-se perante ele, reconhecendo a sua existência. O ser humano criou o absoluto como categoria abstracta e, ao fazê-lo, domesticou-o, alcançou-o, apropriou-se da sua ausência de limites, embora não o assuma… porque isso seria negar a natureza absoluta do que criou.
sexta-feira, junho 26, 2009
O problema de Deus é não haver quem o explique, apesar de não ser difícil fazê-lo. Deus é simples, acessível, lógico, sem qualquer mistério a envolvê-lo. É uma notável criação do Homem. E este foi tão longe na sua generosidade inventiva que atribuiu a Deus a condição de criador da própria humanidade…
quinta-feira, junho 25, 2009
O nosso corpo faz-se dos alimentos que ingerimos, do exercício que praticamos, da profissão que desempenhamos, da dor que carregamos, da alegria que transmitimos. São anos e anos disto. Depois, há um dia em que a realidade se nos apresenta na crueza de todo o seu esplendor… e então percebemos que ao longo da vida fomos apenas escultores de um corpo.
quarta-feira, junho 24, 2009
As coisas têm valor em si e não o valor que cada um lhes atribui. O valor das coisas em si é igual à soma do valor que um determinado número de pessoas lhes atribui menos o valor que cada um, isoladamente, lhes dá. O valor de algo será tanto mais elevado quanto maior for o número de indivíduos que esteja de acordo sobre o mesmo. É uma questão quantitativa.
terça-feira, junho 23, 2009
Ninguém nos vê, ninguém nos acompanha, ninguém nos pergunta onde moramos nem para onde nos dirigimos. Seguem todos para lá do horizonte que não adivinhámos. Sobrevivemos aquém do nada, desconjuntando-nos na irrazão dos factos. Passam pássaros que nos levam até onde não sabemos que fazer. Dizei-nos ó vozes o dia de não vivermos.
segunda-feira, junho 22, 2009
Se eu pudesse cantar, cantava; se eu pudesse chorar, chorava. Eu só queria poder alguma coisa, poder caminhar a teu lado na noite por entre as luzes quentes da cidade que perdi. Eu só queria recuperar o tempo de Lisboa, o tempo das vozes impossíveis rompendo as horas contra o destino. Eu só queria cantar a inocência.
domingo, junho 21, 2009
Não sei como chegámos aqui. Não sonhámos, não desejámos, não calculámos o que quer que seja. Foi tudo sucedendo sem nos darmos conta. Fomos assistindo às ocorrências sem as questionarmos. Umas vezes, ríamos sem razão aparente; outras vezes, chorávamos porque desaparecia alguém… e receávamos o que viria a seguir.
sábado, junho 20, 2009
A maior injustiça que se pode fazer é identificar as pessoas como homens ou como mulheres. Porque, à partida, essa diferenciação cria um fosso que se torna responsável pela definição de dois caminhos antagónicos, que levam os seres humanos a perder-se definitivamente uns dos outros, barricando-se por detrás de poderes insanos e perversos que conduzem à sua própria negação…
sexta-feira, junho 19, 2009
C. anda pela casa à procura de A.M. sem perceber que A.M. é agora um montinho de cinzas dentro de um vaso colocado na secretária sobre a qual sucumbiu. Depositou-o ali J.M. para sentir a sua presença e poder continuar a vir tagarelando pelo corredor até à porta do quarto onde A.M. trabalhava, a fim de trocarem impressões sobre isto e aquilo…
quinta-feira, junho 18, 2009
Tudo está dentro de algo, tudo tem dentro algo, individualmente e colectivamente, infinitamente e eternamente. Nem de outra maneira poderia ser. A nossa tarefa é conhecer o que temos dentro de nós, bem como aquilo dentro do qual estamos, tal como nos compete descobrir e compreender o que está para além do que nos envolve…
quarta-feira, junho 17, 2009
Recorta as sobrancelhas, pinta o cabelo, as pestanas, os olhos, as unhas, maquilha-se, demora-se diante do espelho e depois avança pela casa com aquele seu andar voluptuoso capaz de perturbar a cor das paredes. Os pais não conseguem enfrentar-lhe o rosto. No ar, reinam interrogações e silêncios de pedra.
terça-feira, junho 16, 2009
Nada há de tão humano como as cidades que fervilham de gente de noite e de dia. Quanto mais fervilham, mais cidades são, mais humanas são. A solidão, o crime, a violência, a barbárie, a fuga, a libertinagem, são o que transmite um carácter humano às cidades. Se fossem ordeiras e submissas, as cidades não seriam cidades, seriam campos de ovelhas.
segunda-feira, junho 15, 2009
As pessoas que desde sempre amei morrem à sombra das flores e cantam agonizando como peixes sobre o altar da praia onde nasci de olhos virados para o tempo sem esperança nem alimento. Cantam e morrem as pessoas que amei, enquanto oiço as suas vozes aninhando-se num canto que talvez esconda a última explicação para o que as espera...
domingo, junho 14, 2009
Quem se mostra mostra-se a quem? Deixar-se ver é despir-se perante o outro, é revelar privacidade. E denota um primitivismo semelhante ao dos membros de uma tribo que sorriem para as câmaras no momento em que são descobertos pela civilização. Mas esses, ao menos, não têm consciência da sua nudez e dos efeitos da sua exposição…
sábado, junho 13, 2009
Olha-se para trás e vê-se a causalidade da vida que temos, do corpo que somos, da ideologia que construímos. Vê-se a própria genética, a sua continuidade e as suas rupturas. Do passado vem a luz que indica o caminho a seguir, por entre respostas, soluções, alternativas. E é nesse olhar para trás que se deslinda o futuro…
sexta-feira, junho 12, 2009
Quanto maior a audiência, maior a probabilidade de absorção da mensagem pela mediania. Quanto maior a absorção da mensagem pela mediania, maior a necessidade de o emissor da mensagem responder à solicitação dos mercados. Quanto maior a solicitação dos mercados, menor a capacidade de o emissor da mensagem trabalhar com independência e liberdade.
quinta-feira, junho 11, 2009
Crianças que concebemos e com as quais vivemos acabam inevitavelmente por nos deixar. Quanto mais cedo o fazem, mais cedo nos recompomos e corrigimos o percurso que um dia teríamos sempre de rever e repensar. As crianças crescem sem nós, ganham autonomia, à medida que vão descobrindo caminhos aqui e ali. Resta-nos segui-las à distância… até as perdermos de vista.
quarta-feira, junho 10, 2009
Quando não há nada melhor do que a monotonia, a monotonia é boa porque nos dá a certeza do lugar que ocupamos, nos sugere formas de gerir as situações e nos permite controlar o tempo de que dispomos. A monotonia permite-nos imaginar coisas, sobretudo preparar o momento do regresso à vertigem da imprevisibilidade.
terça-feira, junho 09, 2009
Preparo-me para entrar no duche, de manhã, e por entre o jacto da água vejo EMR divertindo-se, com a sua voz saltitante, os seus movimentos enérgicos e expansivos. Faz sol e há gritos de alegria que enchem o dia de astros buliçosos. Ensaboo-me, esfrego-me, tento esquecer que estou há dias sem ver EMR. Mas o acabrunhamento acompanhar-me-á durante horas.
segunda-feira, junho 08, 2009
Numa rua de Toulouse, à porta de uma loja de música, deixo-me ficar a ouvir aquela voz cantante. Não desando dali. Não tenho hipóteses. Como se a cidade subitamente se me tivesse colado aos pés. Do que oiço, só compreendo alguns termos. Mas suficientes para me deixar invadir por uma melodia sinuosa, que me faz em estilhaços e me leva a divagar por todo o lado.
domingo, junho 07, 2009
O amor não tem limites. Nem pode ter. Se tivesse limites, não seria amor. Seria outra coisa. E o amor não pode ser outra coisa. Só pode ser amor e mais nada. Não se sabe onde começa nem acaba. Nem de que tamanho é. O amor acontece para lá da imaginação, do sonho, do desejo. É a loucura branda de não ter nada fora do sítio.
sábado, junho 06, 2009
Oito pessoas numa sala e só se ouve o barulho de máquinas na rua. Há olhares baixos, rostos fechados, mãos sossegadas, tensas, que a luz de uma porta envidraçada realça. Percebe-se que toda a gente pensa no mesmo. Seria dificilmente explicável que assim não fosse. Quando as máquinas se calarem, as lágrimas apressar-se-ão a desabar.
sexta-feira, junho 05, 2009
Num grupo, numa multidão, cada pessoa sente de uma determinada maneira, o que dá a cada instante um sentido multiplicado por muitos, uma vibração de alcance imprevisível, uma presença de expectativas desenfreadas. E a diferença não é grande quando se está só. Porque cada pessoa, acompanhada ou não, está sempre em confronto com o que há de mais em si.
quinta-feira, junho 04, 2009
quarta-feira, junho 03, 2009
A noite enche-se com a viola de P.Metheny, enquanto oiço ao telefone as lágrimas cristalinas de EMR, por causa de B., que está a ficar irreconhecível devido à perda de pêlo. Por entre guitarradas de choro que me chegam de toda a parte, digo que B. vai ter um pêlo novo. EMR acalma e, logo a seguir, Metheny também. O silêncio dói no fim.
terça-feira, junho 02, 2009
A generalidade das pessoas fala umas das outras, fala de coisas, fala de quê? Fala do cão, do gato, de dinheiro, de assuntos do género. Fala do que vê, do que ouve, do que sente, do que causa incómodo ou alegria. Não fala de ideias, não discute Deus, nem operações matemáticas, nem frases poéticas - muito menos a vida íntima das galáxias.
segunda-feira, junho 01, 2009
O livro em papel acabará como acabaram diversos suportes de escrita em outros momentos da história. Mas quem está a fazer tudo para que o seu desaparecimento ocorra quanto antes são os editores: o que publicam só pode ser parte de um "plano secreto" para levar os leitores a migrarem rapidamente para o suporte digital, cujos custos de produção são bastante menores...
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