domingo, maio 31, 2009

A vida de cada um é apenas o resultado dos seus actos. A sua forma de ser e de pensar resulta dos caminhos que percorre, do que estuda, da actividade profissional a que se dedica. O seu próprio corpo resulta dos alimentos que ingere, do exercício físico que pratica, ou não. Nada do que nos acontece é estranho às coisas que fazemos.

sábado, maio 30, 2009

A consciência de que tudo e todos passam, a consciência de que nos limitamos a ser parte de um movimento que jamais poderemos saber se alguma vez teve início ou se alguma vez terá fim, a consciência de que nada poderemos esperar para além desta intemporalidade vácua, desta ignorância profunda e completa, é o grande desafio com que todos somos confrontados…

sexta-feira, maio 29, 2009

Falam de máquinas, embalagens, prazos, cálculos, empreendimentos, medições, operadores, preços, soldaduras, pesagens, enquanto vou bebendo café na manhã clara. Debatem metais, guindastes, brocas, parafusos. Conversas práticas, concretas, indiscutíveis. Que não aborrecem. Porque não têm filosofia, nem emoções.

quinta-feira, maio 28, 2009

A música corrói a alma humana ou empenha-se em reconstruí-la sob a vibração subtil de sons cujo destino não se consegue prever? De onde vêm os gemidos de uma corda de guitarra accionada por quem fere a noite de metais cintilantes? Estão por saber os efeitos daquele tango na consciência dos musgos, das pedras, dos caracóis...

quarta-feira, maio 27, 2009

Qual a diferença entre sonho e realidade? Não aparenta ser assinalável. De uma certa maneira, pode até dizer-se que sonho e realidade são uma e a mesma coisa. Ao entrar no sonho, a realidade desfaz-se nele, dissolve-se, confunde-se, tornando as suas fronteiras vastas, flexíveis, fluidas, imprevisíveis. E a liberdade começa de novo.

terça-feira, maio 26, 2009

Quando desanimo, olho para uma foto de EMR e recupero instantaneamente. Talvez seja a sua maneira de se deixar captar pela câmara, o cabelo desalinhado, a boca entreaberta, a grandeza dos olhos. Há na sua expressão qualquer coisa que não me deixa morrer. A totalidade do seu ser, com certeza. Incluindo os quilos que tem a mais.

segunda-feira, maio 25, 2009

O amor do sangue está sempre mais fundo do que podemos alcançar, está sempre mais perto do que os nossos olhos conseguem ver, está sempre mais oculto, mais inacessível à beira dos nossos dedos. Diz tudo de nós e nada diz. Não pensa. Age, reage, interage. Não se explica. Corre nas veias. Comanda todos os momentos. É febre, exaustão, imprevisto, descoberta.

domingo, maio 24, 2009

Não sei quem és, mas sei que te hás-de deitar sobre os meus pés, rindo e chorando como um pássaro fugido na noite, porque o sol brilha e cada um de nós é uma erva que cogita no momento em que se vira para que a brisa corra nos antigos milheirais e arrase o labirinto da alma que contaremos nas histórias dos tempos que virão.

sábado, maio 23, 2009

É a consciência da morte que nos faz mexer todos os dias. É por ela que tomamos iniciativas, que trabalhamos, que comemos, que amamos, que nos reproduzimos. É a consciência da morte que nos faz reunir em sociedade, que nos transmite o sentido da perfeição, que nos concede a ética e a noção do outro. É por ela que sorrimos para a fotografia.

sexta-feira, maio 22, 2009

Há uma maneira de dizer as coisas, que é o mesmo que fazê-las. Proferidas com um certo alcance, com uma determinada vibração, com uma intenção sem espaço para ambiguidades, as palavras tornam-se de súbito corpóreas e assumem formas concretas, palpáveis, definidas, cujo poder de interferência na realidade está acima de qualquer discussão.

quinta-feira, maio 21, 2009

Se nos erguêssemos da cama todos os dias e decidíssemos ajudar quem precisa – pessoas idosas, sós, deprimidas, doentes, crianças abandonadas, gente sem abrigo – seríamos mais felizes, teríamos um maior nível de realização. Porém, levantamo-nos todos os dias e não damos um passo para auxiliar quem mais necessita, mesmo sabendo que isso nos torna menos pessoas.

quarta-feira, maio 20, 2009

Em todo o mundo, há milhões de toneladas de papel impresso em livros que pouco ou nada acrescentam ao saber da generalidade dos cidadãos. São livros que visam apenas o negócio e não um aumento da qualidade intelectual das populações. Muitos livros são tão banais e vazios de conteúdo que até um jornal não tem dificuldade em proporcionar uma leitura mais útil.

terça-feira, maio 19, 2009

Se em certas ocasiões optarmos por uma posição de imobilidade, de pura inactividade, conseguiremos resolver situações a nosso favor. Mas, para isso, é importante que nos posicionemos de maneira que as forças exteriores ajam em conformidade com os resultados que pretendemos. E, já agora, convém seguir atentamente o curso das coisas...

segunda-feira, maio 18, 2009

Há uma diferença abissal entre ver o futuro e desejar que ele siga num determinado sentido. A visão do futuro atinge-se progressivamente, um pouco em cada dia, à medida que os acontecimentos permitem que consigamos inter-relacionar dados uns com os outros, ao passo que o desejo de que esse futuro vá nesta ou naquela direcção se resume a um simples devaneio da mente.

domingo, maio 17, 2009

Ontem à tarde, Bob Dylan cantava Modern Times, eu mexia em gavetas antigas para guardar papéis sem nexo nem história, o sol rodopiava lá fora sobre os telhados quase azuis de tanto reflectirem o céu, enquanto LM seguia atentamente qualquer coisa de queixo pousado na mão e olhos em subtis movimentos pendulares como se procurasse adivinhar o mundo para lá das sombras…

sábado, maio 16, 2009

Não há qualquer semelhança entre a notícia de uma dor e a dor que sente quem é atingido por ela. O relato de um disparo que abate alguém está longe de transmitir o choque que atinge o corpo trespassado por essa bala. Nesta ordem de ideias, a dor que vai pelo mundo é bastante mais devastadora do que aquela que conhecemos através de testemunhos alheios.

sexta-feira, maio 15, 2009

A ilha em que vivo não é rodeada de mar por todos os lados. É rodeada de sons, desejos, lembranças, visões, pesquisas, reflexão e o mais que isso envolve. De manhã, há o azul das ondas em frente, à noite o universo inteiro com as suas galáxias visíveis na palma da mão. Enquanto a vizinhança dos cães com os seus odores enche o ar de premonições.

quinta-feira, maio 14, 2009

Nos dias em que não vejo EAM, o ar é mais denso e cinzento. As horas são longas, angustiantes, barulhentas, por causa de um sino que badala sem cessar à minha frente. EAM surge do lado de lá do sino, olha-me, chama-me com os olhos arregalados, mas no momento em que desato a correr na sua direcção, verifico que não há sino, nem EAM, nem horas, só aquele badalar badalar...

quarta-feira, maio 13, 2009

Ondas da loucura vêm daquela parte de ti que não se adivinha nem se conhece. Vêm dos sons com que te vestes para melhor te ocultares. És tu quem me cega, quem me persegue, quem me subjuga com o teu delírio irrepetível de mares que nunca chegam a rebentar, como se jamais tivessem feito parte de qualquer projecto certificado ou simples promessa.

terça-feira, maio 12, 2009

Se eu fizer parte da minha própria escrita, poderei ir sempre aumentando o meu tempo de vida, através do que conto. Todas as vezes que um destes apontamentos diários incide sobre mim, por pequeno e insignificante que seja, sinto que vou além da minha existência imediata, da minha percepção meramente física, como se a escrita me desse uma alma, uma consciência mais ampla do meu prolongamento nos outros.

segunda-feira, maio 11, 2009

Comer palavras como quem come queijo, carne ou pão, à mesa, de garfo e faca, e conviver em ambiente de fraterna partilha: conversar, trocar impressões sobre os mais variados assuntos, devorar palavras, cortá-las em tiras, mastigá-las, saboreá-las, debatendo, dialogando, para alimentar em simultâneo o espírito e o corpo. Não é metáfora.

domingo, maio 10, 2009

O futuro é sempre previsível, demasiado previsível (é apenas o resultado do que fazemos no presente). Muitas vezes, nós é que não queremos enfrentar o que se impõe ante os nossos olhos sem contemplação. É tal a crueza do devir que não suportamos observá-lo. Vai daí, desviamos o rosto para o lado e dizemos que é impossível saber o que nos espera.

sábado, maio 09, 2009

Num centro comercial, encontraram-se, abraçaram-se, saltaram, riram, falaram ao mesmo tempo, até guincharam. Depois, encostaram-se a uma mesa e ficaram ali a olhar-se, a rir, a contar coisas, a repetir, a perguntar, a explicar o que tinham feito, por onde andavam. Tinham vinte e tal, talvez, trinta anos. Combinaram qualquer coisa para o serão daquele mesmo dia. E separaram-se. Prosseguindo o seu caminho com a felicidade estampada nos rostos.

sexta-feira, maio 08, 2009

Tinha uma perna mais curta do que a outra, mas não sentia que isso fizesse grande diferença. Ia às compras, trabalhava, passeava na rua e na praia, saía à noite, divertia-se. As multidões estavam tão ocupadas no dia a dia que não haviam de ter tempo de se aperceber quem tinha um centímetro a mais ou a menos numa perna, num braço, num dedo. A muita gente, havia mesmo de parecer que manquejar não diferia assim tanto da forma como a maioria das pessoas se deslocava...

quinta-feira, maio 07, 2009

Oiço música do outro lado da janela. Não sei se violino, se flauta, ou qualquer coisa semelhante a piano. O que sei é que me vem de longe e que entra em mim, enche a minha casa como um vento bom que aquece e não larga. Música sem nome, sem dono, sem direcção, que corre por todo o lado como uma estado de alma, uma forma de ser. Música ou coisa que nunca começou, que não se sabe quem toca nem concebeu.

quarta-feira, maio 06, 2009

E de repente dou-me conta de que as ruas das cidades são mesmo suspensas, como escreve Saul Bellow em Herzog. Sempre suspensas no seu horror à lógica. Para que não se justifique acrescentar o que quer que seja à realidade. E assim se explique a leveza com que as coisas explodem à sombra dos arranha-céus em cujos subterrâneos fosforescentes as multidões desabam sob o impulso de uma velocidade feliz.

terça-feira, maio 05, 2009

As rugas, a alteração das formas, a submissão ao vivido, o peso da memória, o desaparecimento progressivo das ilusões, a diminuição do brilho nos olhos, a curva das costas, o cabelo ralo, a voz abafada e tremida, a menor firmeza nas mãos, a quebra progressiva do número de amizades, os serões com pouco que fazer, a campainha da porta sem tocar, o não saber quando será o último dia…

segunda-feira, maio 04, 2009

E chegou o dia em que nada tivemos para dizer. Mesmo nada. O silêncio passou a explicar a plenitude das nossas almas. No momento em que nos encarámos, vimos logo que a distância estava irremediavelmente instalada. Percebemos que não voltaríamos a telefonar, nem a combinar almoços, nem a frequentar festas de aniversário, nem a passar serões que só acabavam de madrugada. Morremos. Sem causa aparente.

domingo, maio 03, 2009

Nada tem contornos. Tudo está em tudo. O movimento de que todas as coisas são feitas retira-lhes qualquer possibilidade de terem fronteiras fixas e legíveis (os contornos que vemos nas pessoas e nos objectos são mera ilusão de óptica). Cada ser e cada coisa é sempre mais do que parece, tem sempre um suplemento de existência que não é detectável pela observação e que se localiza nas zonas de interpenetração e interacção com a restante matéria.

sábado, maio 02, 2009

“A literatura é a única arte que tem a capacidade de analisar e explicar todas as outras”, dizia AM, enquanto jantávamos num acolhedor bar junto à praia, por entre pratos e televisores ruidosos. É a única que tem poder para sistematizar de forma lógica o que nos rodeia, é a única vocacionada para exprimir o pensamento com coerência, é a única que consegue ser integral e puramente racional.

sexta-feira, maio 01, 2009

Respirar na escrita, viver na escrita, pensar na escrita, fazer tudo na escrita, deixar-se dominar pela racionalidade e organização da escrita, dormir na escrita, entregar-se sem limites à escrita, comer à sua mesa, analisar os acontecimentos à luz da escrita, decidir conforme as suas regras, questioná-la, inquietá-la, pressioná-la, aderir à febre da escrita, não recear as surpresas do caminho a que conduz...