segunda-feira, maio 31, 2010

QUE TENTEMOS A FUNDO, sim. Não vale a pena fazê-lo por menos. Mas de preferência devemos fazer tudo para não perder a cabeça, nem perder a família. Sobretudo, não devemos perder o amor. É verdade que nos sentiremos na companhia dos deuses, mas não estaremos sós. E também é verdade, my dear Bukowski, que “as noites arderão em chamas”.

domingo, maio 30, 2010

SEGUIMOS NO RASGO dos ventos aturdidos de calma, para regressarmos do nada ao tudo, em torrentes de lama que reinventam os passos onde nascemos. Não temos futuro, nem tal coisa faria sentido. Temos mar e nuvens sobre a cabeça, temos vento e terra a tremer, temos perigo e trovoadas que adivinham o alcance de um gesto indefeso na noite.

sábado, maio 29, 2010

HÁ UMA FAMÍLIA PRÓXIMA, de sangue, no seio da qual nascemos e crescemos, mas também há a outra, a grande família da humanidade que nos corre nas células. Não temos por uma mais deveres do que por outra. Porventura, será até maior a nossa responsabilidade pela segunda, cuja diversidade nos exige uma entrega permanente e sem remédio.

sexta-feira, maio 28, 2010

ATRAVESSOU a rua por cima de carros, vapores, sons perdidos, e foi poisar, leve e colorida, no dedo grande de um dos pés do corpo que dormia em farrapos na sombra de um banco de pedra. A bola de sabão oscilou, contorceu-se na ondulação da brisa e ficou à espera de quem lhe viesse dar cabo do sonho.

quinta-feira, maio 27, 2010

HÁ SEMPRE GENTE PARTINDO e levando pedaços de nós na sua revoada. Pedaços da alma que transformámos em carne e que viajam nos outros pelo risco da eternidade. Viver para quebrar o egoísmo dos ossos que nos sustentam. Porque são os outros que justificam a nossa passagem por este movimento e nos dão o poder de o continuarmos à margem das lógicas.

quarta-feira, maio 26, 2010

MSD GOSTAVA DE GALINHAS acima de tudo. Lembrei-me disso, há dias, quando visitava com EMR uma loja, onde encontrámos uma convincente galinha metálica de cores garridas. Manifestei o desejo de a adquirir, para a ter lá em casa, algures, em memória de MSD. E quando saíamos da loja, vi que EMR tomara mesmo uma decisão…

terça-feira, maio 25, 2010

FAZER SEM DAR NAS VISTAS, agir sem procurar um fim, estar nos sítios sem chamar a atenção, aparecer sem incomodar, existir sem ocupar espaço, pensar sem necessidade de alcançar, conversar sem pôr em causa, esperar sem provocar sobressaltos, estudar sem esperar resultados, rezar sem exigir de Deus, sofrer sem nada lamentar...

segunda-feira, maio 24, 2010

HÁ QUEM CITE E CITE outros nomes, ora para mostrar erudição, ora porque considera importante referir obra alheia. Mas não o consigo fazer. Não percebo a necessidade de recorrer ao pensamento de outrem se é de fora que me chega tudo. Eu nada seria capaz de produzir se não tivesse vozes que passam o tempo em murmúrios à minha volta…

domingo, maio 23, 2010

CHEGO e o teu abraço vibrante enche-me de ideias. Pareço uma daquelas estátuas beatíficas com medo de te quebrar, de te fender na zona em que a tua face mais brilha e promete. Há tanto por acontecer nas palavras e nos risos que te definem. Olho em diante, ajeito-me no assento, ponho o cinto de segurança e arranco feliz na direção do inesgotável.

sábado, maio 22, 2010

QUANDO ME SINTO de alma partida porque estou longe de EMR deixo tudo e desato a escrever. Para não derramar lágrimas em público, choro na minha escrita, sem que me vejam, sem que adivinhem sequer o que me abala. Recolho-me no ponto de reflexão que só as palavras podem trazer. Uns minutos assim bastam para me recompor. Depois, respiro fundo, levanto-me e volto à tarefa que havia interrompido.

sexta-feira, maio 21, 2010

POR VEZES DOU COMIGO ao longo do dia a pensar no momento em que virei registar nestes apontamentos alguma coisa que me encha de ar, de luz, de montanha (de mar, não, porque me infunde receios de infância). E só de pensar nisso me sinto maior e mais forte. Um dia que a escrita me termine, é certo que morrerei com ela.

quinta-feira, maio 20, 2010

Tocam as cordas da minha afeição e desvario, enquanto vou despejando ideias e vislumbres sem fazer questão de convocar juízes, algozes ou afins. Os sons e brilhos entram-me por infinitas instâncias. As sombras invadem-me de calor. E deixo-me estar na pedra sobre a qual repouso porque sei que é esta a forma de viajar o movimento.

quarta-feira, maio 19, 2010

O choque da tua notícia. Como uma faca que atravessa o vento. Ficar sem palavras em cima de não palavras. Olhar em volta e ver o céu inclinar-se sobre as casas e não ter para onde fugir. Não poder acusar, não poder perdoar, não poder aprofundar. E verificar que ascendes no braseiro do mundo para me enviar mensagens de paz.

terça-feira, maio 18, 2010

Orgulho, vaidade, ciúme, posse, inveja, rancor, egoísmo, inflexibilidade, ódio… Estive a verificar quanto havia em mim de cada um desses poderes destruidores e concluí que hoje praticamente nenhum deles me incomoda ou faz parte dos meus dias. Já convivi de perto com alguns, mas acabei por os deixar ir, sem grande esforço, mágoa ou alarido.

segunda-feira, maio 17, 2010

Há tanto amor numa ilha pequena que as fronteiras do mar apertam e aumentam através de sinais por decifrar. Há saudade e enxovalho e vento na mais funda condição. Uma ilha pequena é o vasto território do sentimento sem critério, do luto que os naufrágios trazem às vidas. É o corpo silenciado, a revolta que não se pressente em cada raiz sob a nuvem.

domingo, maio 16, 2010

Não sei o que seria de mim se não fossem estes textos sem regras nem contexto, nos quais vazo desapontamentos, saudades, tristezas, depressões, amarguras, momentos por experimentar, ausência de sonhos, promessas vagas, adivinhações, pressentimentos, andanças, conexões, rascunhos de ideias indefinidas. Conto tudo aqui. Menos o que vivi.

sábado, maio 15, 2010

Caem luzes na praça sobre as vozes, rostos cruzam-se no ar escuro, copos tilintam no reflexo das montras, enquanto a chuva desliza nos toldos abertos da noite caindo sobre os jantares como bebida a respingar. Vêem-se mãos trazendo e levando pratos, travessas, talheres. Não há música em redor. Só risos e boa disposição.

sexta-feira, maio 14, 2010

Como posso não reflectir o humano no seu giro de ossos? Como posso estar em sossego quando tudo arde à minha volta nas águas cinzentas? Como posso esquecer o dia em que me impediram de partir? Como posso não olhar a desordem de quem se perde no destino? Como posso alguma vez abraçar o egoísmo, a doença, a dúvida, a ignorância dos elementos?

quinta-feira, maio 13, 2010

Escrever é forma de ser, é movimento sem medida na margem de conceitos ou condições, é caminhada pelo mundo ao lado da fome e da não desistência, é fuga no tempo sobre espirais de infinita vertigem, ó morte que cantas no lugar que ocupo quando me devassas os olhos para que não me falte viver com sobressalto e dor.

quarta-feira, maio 12, 2010

Acordamos a sofrer de manhã e temos de ir trabalhar, correr para a rua, parar no café, passar nos quiosques, tomar transportes, atravessar túneis, saltar superfícies, avistar incertezas, usar elevadores, suportar cheiros, carregar indiferenças, enfrentar risos. E a dor que volta… e volta…

terça-feira, maio 11, 2010

Se falo de escrita nestes apontamentos é porque vivo dela e só dela. Alimento-me do que semeio, concentro-me no que se passa, ou vai passar, executo as tarefas que me cabem, acompanho quem está comigo e, como se por milagre, todas as minhas ideias e actos acabam por desembocar na escrita. Não imagino como seria possível existir de outra forma.

segunda-feira, maio 10, 2010

Como proceder para que tudo me abane, me questione, me faça avançar para o coração da cidade solitária? Nunca vi uma cidade solitária, nunca a sonhei sequer, mas é nela que vivemos sob o eco dos monstros ocultos na irrazão do tempo. Venha de onde vier, o crime inunda as nossas casas nas horas que fazem o estertor dos dias e das noites…

domingo, maio 09, 2010

As palavras são uma questão de ordem física: têm forma e cor, ocupam espaço, movimentam-se, sentam-se à mesa, comentam factos, discutem, amuam, pressionam, avançam por zonas imprevistas, desaparecem num lado e ressurgem noutro, retardam ou aceleram o que virá, protestam, ameaçam, iludem significados, fazem explodir sonhos, não vergam perante nenhum deus.

sábado, maio 08, 2010

EMR vigia-me por uma nesga de janela enquanto escrevo esta nota. Entretém-se com um pau fino rodando na boca e vai espreitando um programa de televisão que prefere. Ouço risos somados a conversas que fazem a sua delícia, mas é em EMR que fixo a minha atenção. Ao fim de quase uma hora, diz-me que vai jantar e desaparece.

sexta-feira, maio 07, 2010

Até de uma pedra tenho saudades. Daquela pedra frágil e breve que repousa junto à porta de entrada da minha casa, como se me olhasse sempre que entro e saio. Nunca lhe dou atenção, não lhe dirijo palavra, raramente a olho. Mas quando estou longe, não consigo deixar de pensar nela: pergunto-me se estará bem, se terá saudades minhas…

quinta-feira, maio 06, 2010

Olho para o relógio, de cinco em cinco minutos, à espera que EMR apareça na sua janela atravessada de oceanos. Se não aparecer, a tristeza invadir-me-á e dedicar-me-ei a tentar adivinhar o que vai acontecendo do lado da sua vida. Dou voltas pela casa, remoo possibilidades, entro e saio dos quartos e, por fim, não resisto a telefonar. Nunca resisto.

quarta-feira, maio 05, 2010

Num cemitério não há lugar a palavras, as ideias são proibidas, os sentimentos rasurados. Num cemitério devemos existir como chuva caindo mansamente nas relvas das sepulturas, devemos cantar ao de leve no som das brisas com passos cuidados de não ferir memórias. Para que a eternidade das pedras escritas se reencontre em nós.

terça-feira, maio 04, 2010

Quem disse que a escrita é para ser lida? Quem disse que deve ser mais do que aquilo que significa para quem a utiliza como expressão de vida? Quem disse que não vale por si? Para que serve alguém pôr-se a ler se não lhe restam possibilidades de influenciar o que outrem escreve? A escrita só tem relação consigo mesma. Nem sequer depende de quem lhe dá corpo.

segunda-feira, maio 03, 2010

É junto da multidão que temos oportunidade de nos conhecer. Quanto mais gente à volta, mais entramos em nós e na natureza que nos suporta. Há uns anos, num ajuntamento de milhares de pessoas que entoavam em coro a mesma canção, vivi um momento de elevação que por pouco me ia fazendo não regressar. As lágrimas nunca mais acabavam.

domingo, maio 02, 2010

Crianças em lágrimas fogem de bombas que rebentam nas suas costas como formigas gigantes raivosas. Vejo a foto a preto e branco na versão digital do jornal El País. Se fôssemos pessoas, não admitiríamos tal barbárie. Em outra notícia ao lado, deixo-me esmagar pelo sorriso de um rosto...

sábado, maio 01, 2010

EMR esteve comigo ao serão, a menos de um metro de distância do sofá no qual me sentava. Um metro de distância que eram milhares de quilómetros. Mas isso era o que menos importava. Eu queria era que EMR estivesse ali, com os seus olhos grandes mirando o longo espaço que nos aproximava, enquanto a noite ia bebendo o fulgor de cada instante.