quarta-feira, setembro 30, 2009
EMR está na minha frente a mexer no telemóvel. À minha direita, alguém fala sobre um espelho retrovisor e sobre obras em casa. Ao fundo, ouve-se contar uma anedota pouco edificante. À esquerda, dizem: “I don’t know what to eat…”. Passam vários pratos fumegantes entre as mesas. Lá fora, está um dia claro e azul. Hei-de voltar a este lugar.
terça-feira, setembro 29, 2009
O Verão ainda não partiu. A luz entra pelos sítios, enchendo as horas de um calor moderado e saboroso. Os dias prolongam-se na imaginação e desabam quando já não sabemos onde estamos, nem de onde viemos. Não há vento a correr nas águas. Nem há vozes de nuvens borrifando as atmosferas. Só ameaças no caminho para onde seguimos.
segunda-feira, setembro 28, 2009
O corpo é mais do que aparenta aos nossos olhos. É também o que não se vê em cima do que se vê. É o somatório de expectativas, medos, desejos, abalos, sofrimentos, alegrias, projectos, desencantos. É o fluxo de silêncios e hesitações, palavras e pensamentos por dizer. É a mão que escreve em nós o futuro.
domingo, setembro 27, 2009
Acaricio N., que ronrona sobre a minha secretária, junto do computador em que escrevo, desfrutando do calor expelido pela ventoinha da máquina. Não esconde que já me perdoou por eu ter impedido, durante meses, que partilhasse a casa comigo. Inicialmente, protestou. Mas acabou por se conformar. Hoje, compreendemo-nos melhor.
sábado, setembro 26, 2009
sexta-feira, setembro 25, 2009
Eram tantos os risos do outro lado da linha telefónica que eu via nitidamente a alegria, os saltos, a liberdade das crianças ao sol no pátio da escola. O que eu ouvia era espontâneo, ruidoso, imparável. “Estamos só a brincar”, balbuciou EMR, quase sem respirar. E a vida explodia em todos os minutos do ar.
quinta-feira, setembro 24, 2009
De pouco valeram batalhas, mares galgados, civilizações descobertas, comércio de iguarias, escravidões, ouros e discursos inflamados que ainda hoje ecoam nas imaginações da história. De pouco valeram rezas, acordos, promessas, tratados, concordatas. De pouco valeram tantos corpos esvaídos… tanto sangue derramado…
quarta-feira, setembro 23, 2009
terça-feira, setembro 22, 2009
Cada pessoa considera-se o centro de um determinado círculo de vida e age como tal. Adquire essa noção na família e depois transporta-a para o dia a dia, na escola, na rua, no local de trabalho, na zona onde reside. Em cada sítio e situação, os acontecimentos giram à sua volta, ligando o seu círculo a outros círculos… e por aí adiante.
segunda-feira, setembro 21, 2009
Passa uma bicicleta e depois uma criança de triciclo, enquanto duas pessoas observam o mar no sossego de uma esplanada e outra avança a passo rápido para a piscina. Agentes de segurança do parque de estacionamento conversam e riem. As lojas acabadas de abrir recebem os primeiros clientes. O azul paira suspenso sobre os mastros dos iates.
domingo, setembro 20, 2009
Por mais só que se esteja, há sempre uma solidão maior à nossa espera. É um processo crescente: na evolução para a maturidade, desaparecem grande parte das amizades da juventude. Chegada a velhice, resistem duas ou três. Depois, nem isso. Um dia, acaba tudo. Não sobra nada, nem vivalma. Só solidão. A grande.
sábado, setembro 19, 2009
sexta-feira, setembro 18, 2009
Vinham dedos cercar-me a garganta com as suas unhas cortantes e pegajosas em busca de alguma coisa que eu não possuía. Vinham facas, lâminas, espadas, arpões, refulgir diante dos meus olhos com neves enfeitiçadas para me levar. Vinham faíscas tombar sobre o alvo da minha cabeça. E vinham estrondos. E vinham…
quinta-feira, setembro 17, 2009
Mata-se alguém para não nos revermos no outro, para que a sua existência não nos barre o caminho, para impedir que aja, que seja livre, nos supere, nos interrogue. Mata-se alguém para afirmar e aumentar o poder de que nos julgamos detentores. Para nos vermos livres de nós próprios. Para facilitar as coisas.
quarta-feira, setembro 16, 2009
O Verão é o tempo da casa e do corpo na luz que inunda a explicação dos perigos, quando renascemos em partes e nos pedem para imaginar o que sucede diante dos olhos, para que não haja registo de factos, nem rumores de água, nem consolo de feridas, muito menos plano de intenções ou desejo ou morte. Fugaz eternidade esta nossa.
terça-feira, setembro 15, 2009
Como reagir na despedida de alguém que, por estar no fim dos seus dias, não teremos oportunidade de voltar a ver? Como encarar esse adeus? Como sentir esse último aperto? Que balbuciar? Que destino dar às lágrimas? Como combater o vazio que antecipadamente nos invade? Como não olhar para o derradeiro aceno de uma mão descarnada por trás da vidraça?
segunda-feira, setembro 14, 2009
Não tenho dúvidas de que existo, lá, onde pareço não chegar: galáxias, estrelas, buracos negros, rabos de cometas, satélites vogando na imensidão do nada que é tudo. Não tenho dúvidas, nem posso ter, de que pertenço a esse sítio informe, onde vagueia, objectivamente, o meu sujeito cósmico. Sem absoluto. Mas pleno.
domingo, setembro 13, 2009
Há pessoas que sofrem de tal forma que a sua dor só pode servir para explicar o motivo pelo qual outras passam pela vida com ligeireza e leveza. Só deste modo se compreende que umas doam tanto e outras quase nada. Mas é na consciência dos que mais penam que reside o poder de libertação da terra e se afirma a abundância dos elementos.
sábado, setembro 12, 2009
A minha língua não tem país. É um murmúrio que rola nas águas da ribeira junto à qual adormeço quando LMP se vem deitar na minha cama. A minha língua não tem leis, nem gramática, nem fronteiras. É uma rabanada de vento, uma conjunção de marés, um animal estirado ao sol do meio-dia. Não façam caso do que digo. A minha língua é que sabe.
sexta-feira, setembro 11, 2009
quinta-feira, setembro 10, 2009
Pode-se nascer, como se pode não nascer. Entre existir e não existir não vai diferença. Porque se existe sempre, mesmo quando não se nasce. Existe-se antes de ser, antes de estar, antes de pensar, antes de falar, antes de qualquer outra coisa. Existir é a mera possibilidade de materialização, enquanto ausência de fronteiras, conceitos, princípios, lógicas.
quarta-feira, setembro 09, 2009
Os sons redondos do mar que habitam em mim são pedaços de gente que sobreviveu à catástrofe de compreender, são discursos de almas, narrativas de corpos, que sobrevoaram o tempo adiado da vida. O que me chega de longe diz o silêncio escrito de cada dia, diz a palavra murmurada no sono, diz o gesto pressentido no olhar sem lógica.
terça-feira, setembro 08, 2009
segunda-feira, setembro 07, 2009
MC perguntou se quem me pôs no mundo ainda vivia. Respondi-lhe que não. Ao dizê-lo, baixei os olhos, para esconder o nó que senti na garganta. Foi como se as suas mortes tivessem ocorrido no dia anterior. Passaram mais de vinte anos e é tudo tão presente, tão próximo, tão palpável. Há pessoas que não morrem verdadeiramente.
domingo, setembro 06, 2009
LMP vai de viagem… e cada passo seu faz lembrar o tempo em que já terá partido. Volteia pela casa à procura de coisas para guardar na mala. Por vezes, detém-se, hesita com um par de sapatos na mão, calças, meias desencontradas, e protesta a meia voz sem que se perceba com quem. Os seus olhos somem-se no movimento das portas através das quais os quartos se vão paulatinamente esvaziando.
sábado, setembro 05, 2009
Na cidade vejo casas amontoadas, vejo ruas cruzando-se, vejo carros que passam, vejo pessoas sem nome, vejo tanto que não penso em mais nada, como se toda a existência se resumisse ao que os meus olhos alcançam. Na ilha, no recato dos dias e das noites, vejo tão nitidamente, vejo tão sem barreiras, que a lógica do mundo me cai inteira nos braços.
sexta-feira, setembro 04, 2009
Logo de manhã, abre a porta e ouve-se a sua voz cantante falando com este e com aquele. Depois, recolhe-se e vai tratar de assuntos seus. Mais tarde, volta a aparecer e volta a falar, acenando, rindo, combinando alguma tarefa. O seu coração vibrante dá alegria à rua. Quando se ausenta em viagem, a rua morre toda.
quinta-feira, setembro 03, 2009
quarta-feira, setembro 02, 2009
Sempre que partes algo morre em mim como um dia que anoitece porque as palavras se calaram rente às estrelas moribundas de sombra e medo. Partes e eu fico sem saber o que pensar do tempo que falta percorrer. Fico inerte, sem alento nem som, olhando os momentos que vivemos na tua infância. Como se cantasses na manhã do pássaro de vidro.
terça-feira, setembro 01, 2009
“És o meu amor de sempre e para sempre”, disse LMP, algum tempo após termos começado a relacionar-nos intimamente, com mais de cinquenta anos de idade, volvidos alguns casamentos fracassados. “Eu, o teu amor de sempre?”, perguntei, sem conseguir esconder a perplexidade. LMP respondeu-me com um sorriso tal que não me atrevi a insistir…
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