segunda-feira, agosto 31, 2009

EMR chorou ontem durante boa parte da tarde, no decurso de uma conversa que tivemos acerca das condições deficitárias em que vivem K. e B. Finalmente, ganhara consciência de que era chegada a hora de lhes proporcionar uma existência mais digna. Enxutas as lágrimas, concordou em confiar os seus destinos a outras pessoas.

domingo, agosto 30, 2009

Olhando pela janela, em silêncio, indiferente às horas, DEM chorava sem parar. O sol raspava a tarde com a sua claridade agreste. Aproximei-me por trás e esperei para ver se entendia o que se estava a passar. Quando DEM se deu conta da minha proximidade, voltou-se e disse: “Não consigo parar a vida em mim”.

sábado, agosto 29, 2009

A magreza é uma opção derivada da nossa recusa de roubar espaço aos outros; é uma forma de os respeitarmos, reconhecendo o seu direito à existência; é uma oportunidade de nos revermos; é um caminho para nos repensarmos e reposicionarmos. A magreza é uma questão de integridade.
A magreza é uma opção que tem a ver com a nossa recusa de roubar espaço aos outros; é uma forma de os respeitarmos, reconhecendo o seu direito à existência; é uma oportunidade de nos revermos naqueles que nos rodeiam; é um caminho para nos repensarmos e reposicionarmos. A magreza é uma questão de integridade.

sexta-feira, agosto 28, 2009

Quem cuida do amor não tem disponibilidade para se preocupar com dinheiro, política, desporto e outros assuntos. O amor ocupa todo o tempo e todo o espaço da vida. Por isso, deixa de fora as ocorrências e tarefas que agitam o dia a dia. É sua condição ver com outros olhos, pensar com outro cérebro, sentir com outro coração.

quinta-feira, agosto 27, 2009

Numa rua secundária, sem paisagem, alguém surge à porta de uma casa e no seu rosto não se adivinha o peso das coisas que vive. De olhos inexpressivos, boca rotineira, corpo sem horas, encosta-se à ombreira, leva uma mão ao cabelo e procura não pensar para além do que vê. Eu sigo adiante. E não esqueço.

quarta-feira, agosto 26, 2009

Quando não durmo pelo menos sete horas por noite, no dia seguinte vegeto sobre uma realidade que parece fazer ninho na retaguarda da minha cabeça. As coisas passam diante dos meus olhos como num filme de que não faço parte. Sinto que me devo proteger, resguardar. Aconteça o que acontecer, limito-me a não reagir…

terça-feira, agosto 25, 2009

Cada pessoa está sempre a morrer porque, a todo o momento, há nela algo que se perde, deixa de fazer sentido, esquece, fica para trás. Mas, enquanto morre, cada pessoa também está sempre a renascer porque, a todo o momento, há nela algo que se ganha, adquire significado, recorda, descobre, refaz, projecta…

segunda-feira, agosto 24, 2009

Os animais acompanham o que os rodeia com inteligência, sensibilidade e minúcia. Analisam, estudam, calculam, comparam, têm medos, alimentam expectativas, agem de acordo com rotinas, perseguem objectivos, tomam iniciativas, respondem aos gestos que lhes dirigem, são pacientes, alegres, ficam deprimidos, comunicam, zangam-se, amuam. E mesmo assim classificamo-los como irracionais…

domingo, agosto 23, 2009

Criar é ver o que não se vê, é sentir o que não se sente, é compreender o que não se compreende, é andar sobre caminhos não construídos, é pesquisar em locais inóspitos, é investigar a absoluta improbabilidade, é persistir no trabalho contra todas as marés e opiniões, é morrer todos os dias por essa causa de nada que nos faz mais gente.

sábado, agosto 22, 2009

Uma piscina, logo pela manhã, na qual EMR, LP e eu somos os únicos banhistas. O azul está parado no ar e o sol atravessa toda a terra. Não se ouve uma estrela, nem um gato que seja. A frescura chega de inúmeros instantes. Ao longe, EMR esbraceja e ri. LP nada silenciosamente no extremo oposto da água. O infinito começa em nós.

sexta-feira, agosto 21, 2009

Eu venho do tempo do medo, da ameaça, da falta de esperança. Acordava de manhã e tremia só de pensar no que havia de me acontecer. Toda a gente à minha volta confirmava as piores previsões. Havia mesmo quem chorasse só de pensar no que estava reservado aos seus. Mas, certo dia, chegou a notícia que abriu todas as janelas…

quinta-feira, agosto 20, 2009

Lembro os seus passos, que eram incisivos, o seu pescoço, o seu queixo. Lembro que se aproximou e me fez sinal para que lhe seguisse o rasto. Obedeci-lhe. Os seus gestos eram repletos de uma autoridade que antecedia a idade do seu corpo. Segui a direcção que me indicou, mesmo quando nada via, quando não sabia o que me esperava. E alcancei.

quarta-feira, agosto 19, 2009

Oiço vozes debaixo do sol que me contam imagens de um tempo distante e me pedem para ir ao seu encontro nos dias que hão-de vir. São desejos irrompidos na inclinação da tarde cinzenta, por onde caminho, aos solavancos, suplicando à luz que se me atravesse nos olhos. Para que eu me perca no centro de mim.

terça-feira, agosto 18, 2009

Anda de bicicleta de manhã à noite. Sorri a quem passa, acena, ri, levanta os braços, faz habilidades. Não se sabe de onde vem, nem para onde vai. Não pára nos sítios porque não se relaciona com ninguém e porque receia que lhe roubem a bicicleta. Passa a vida em constante circulação. Nem nome tem.

segunda-feira, agosto 17, 2009

A arte só pode ser radical e revolucionária (mesmo que não o pretenda), a fim de que o seu poder transformador contribua para aumentar o campo de visão de quem a aprecia. Por ser radical e revolucionária, é muitas vezes incompreendida e ignorada. Mas quando não é radical nem revolucionária limita-se a ser outra coisa, que não arte…

domingo, agosto 16, 2009

“Estas aguarelas estão secas”, diz EMR. “Penso que amanhã corremos o risco de não encontrar nada”, comenta LP. “Achas que devo usar um pincel mais grosso?”, insiste EMR. “O melhor é resolver já o assunto”, intromete-se PMP. “Vou falar com CM, meter qualquer coisa na boca e depois estirar-me um bocado na cama”, remata LP.

sábado, agosto 15, 2009

Penso que chego a uma galáxia e chego mesmo. Não preciso de nave espacial nem de nada que se lhe pareça. O pensamento é quanto me basta para concretizar a viagem. Entre milhões de astros, procuro um planeta, onde poiso sem dificuldade. Habituo os olhos à claridade… e avanço sobre um areal de pássaros incandescentes.

sexta-feira, agosto 14, 2009

Um lugar é tanto maior quanto mais gente houver nele a criar. À dimensão física das localidades, há que acrescentar, por isso, a dimensão das obras de arte produzidas pelos criadores residentes. São estes que alargam as fronteiras para além dos limites estabelecidos nos mapas, assim dando um sentido mais vasto aos nomes das regiões e dos países.

quinta-feira, agosto 13, 2009

O tango do mar com luzes ondulantes que se amontoam na linha do horizonte, de onde fogem as cagarras para vir cantar sobre o abismo das rochas, enquanto por dentro da névoa há um barulho de talheres ritmando passos, sombras deslizantes, conversas à mesa, risos ligeiros. O tango termina e logo a seguir ouve-se uma voz na noite: “Sai um descafeinado!”

quarta-feira, agosto 12, 2009

JES aparece e desaparece ao longo dos anos. Vive algures no fim do mundo. Não dá notícias. Por vezes, telefono-lhe e fico a saber que aquele número foi desactivado. Enceto então a busca do seu novo paradeiro ou contacto. Quando consigo uma pista, ligo e oiço do outro lado da linha a sua voz dizer que está tudo bem… que as coisas lhe correm de feição…

terça-feira, agosto 11, 2009

As pessoas saem de casa e reúnem-se em convívios e festas com o objectivo de encontrarem assunto para as suas vidas. Não o fazem apenas por diversão. Fazem-no porque precisam de se preencher a elas mesmas com a substância do acontecimento. Que também serve para colorir os seus dias (os que vêm antes e os que vêm depois…).

segunda-feira, agosto 10, 2009

O amor é mais do que o amor, mais do que um sentimento directo e específico por alguém, mais do que algo de que possamos ter consciência, mais do que somos capazes de dar ou receber. Nem sequer é um desejo. Muito menos é permutável. O amor é uma relação com o mundo. Uma relação com toda a gente em nós.

domingo, agosto 09, 2009

Passei os olhos pelas notícias e não me apeteceu sair do sítio onde me encontro. Tudo é mais calmo à minha volta quando não consumo a informação que todos os dias me entra em casa. Não perco grande coisa em ignorar as manchetes da imprensa e a abertura dos telejornais. A realidade palpável está sempre a acontecer em outro lado…

sábado, agosto 08, 2009

Abre a janela, deixa o vento entrar, deixa o azul chegar-nos aos pés, que talvez não esteja longe o dia de partirmos para qualquer sítio, com a nossa carga de sonhos, projectos, desencantos. Olha as nuvens baixas tocando a poeira do caminho em que nos perderemos. Mostra o teu rosto, chama por alguém que nos espere.

sexta-feira, agosto 07, 2009

Quando me olham, noto que se interrogam sobre mim, que duvidam acerca de qualquer coisa, que hesitam em falar-me, que procuram uma resposta, que tentam adivinhar o que me passa pela cabeça, que se esforçam por me afastar da ideia, que talvez me relacionem com outra pessoa, que dali a breves segundos já me terão esquecido...

quinta-feira, agosto 06, 2009

Se eu pudesse, voava contigo nessa manhã de sol translúcido para desaparecer ao fim das colinas onde se repõe o canto dos pombos na manhã. Se eu pudesse, era música para te dançar em pontas, era água. E era vento que não tem onde acabar. Por ti, crescem os sons, desde o fundo da terra até à mão que liberto.

quarta-feira, agosto 05, 2009

E o teu vazio de pedra continua a rasgar a faca da minha alma. Quando as penas se desintegram nas horas de poeira desabando sobre a rotina. Caminhas no pássaro que seguirei até ao fim do sal nas águas. Adiante te encontrarei. Na senda dos espaços sem limite. Para que venhas sempre anoitecer com maçãs frescas de riso.

terça-feira, agosto 04, 2009

O Verão na praia faz-se de corpos flácidos e obesos, pernas com celulite e varizes, ventres volumosos, rabos bojudos, rugas curtidas, seios mirrados, pescoços de papeira, tornozelos inchados, testas franzidas, pregas nas cinturas, ombros vencidos. É o que vejo nos brilhos ondulantes do areal. Holotúrias desfalecendo na colisão da tarde.

segunda-feira, agosto 03, 2009

Morre alguém e morre também algo em nós. Morre um bocado de qualquer coisa que se sentia: amizade, conhecimento, uma simples saudação de bom dia ou boa tarde. A nossa dimensão passa a ser mais reduzida. Lembro-me das tuas cinzas espalhadas na brisa daquele parque. Lembrar-me-ei sempre, apesar de nada haver de marcante entre nós. Só a tua existência. E a minha.

domingo, agosto 02, 2009

De súbito, ruiu a lógica em que sobrevivo: EMR saiu de casa, deixando coisas a pairar rente às paredes de sombra (uma camisa… uma peúga… o eco de uma gargalhada vinda do dia anterior). Percebi que não valia a pena fazer o que quer que fosse para recuperar a perda. Nem ao menos seguir com o olhar o rasto de EMR que, decerto, já se imaterializara na claridade da rua.

sábado, agosto 01, 2009

Em criança, ouvia falar na ponta da Ferraria e a minha cabeça entrava numa névoa que não percebia. À minha volta, juntavam-se caras de medo, sinais de perigo, visões de borrasca, olhares de aflição. “É o fim do mar”, explicava alguém, quase em lágrimas, provocando-me logo imaginações de barcos a afundar-se por entre ameaças sem igual.